Tento dormir e não consigo. Uma dor de cabeça me persegue desde que cheguei em casa do trabalho. Já foram dois paracetamol e nada dela dar trégua. Teve uma pequena quando enterrei a cabeça no livro mais recente do Dennis Lehane, que mistura negros, irlandeses, italianos, gripe espanhola, movimento anarquista e desemprego nos Estados Unidos das primeiras décadas do século passado. Aí voltou quando eu, sem sono, resolvi ligar o computador e dar uma olhada no que o povo falava por aí.
Aí comecei a achar que parte da minha dor de cabeça vinha do resultado do dia na Câmara. O amor não estava escrito nas estrelas, mas a
absolvição da deputada filha do ex-governador do Distrito Federal estava. Nesta hora, as pessoas atiram para o mesmo alvo. Detonam a classe política, enxergam um grupo hetegêneo como um só. E nivelam pra baixo. Nada me cansa mais - e piora minha dor de cabeça - do que o maniqueísmo. A preguiça de entrar em uma discussão já é grande. Como na tirinha do Dilbert, parece que as pessoas aprenderam a discutir na internet...
Entre o branco e o preto existem vários tons de cinza, diz o senso comum. É verdade. Quer dizer, pelo menos eu gosto de pensar que é. Analisemos o caso em questão. A deputada foi filmada em 2006 recebendo dinheiro da mãos de um notório delator do que ficou conhecido como o maior esquema de corrupção do país. Talvez não fosse o maior, mas com certeza o mais documentado... Três anos depois a casa caiu pra muita gente. Um governador foi preso acusado de subornar uma testemunha do caso, vários vídeos vieram à tona. Menos o da deputada em questão.
No ano passado, três deputados se estreparam. Dois tiveram que renunciar e uma outra foi cassada pelos colegas. Seus vídeos tinham o mesmo roteiro da deputada que foi salva ontem. Maço de dinheiro sai de uma mão e vai parar na outra. Depois entra numa bolsa, é colocado nas meias, tem oração agradecendo. Parece até um filme pornô. Mudam os diálogos, o objetivo é o mesmo. A diferença é que as imagens, gravadas na mesma época, tiveram quase dois anos de diferença até o público ficar sabendo.
Com a absolvição, vêm as teses: joguem uma bomba no Congresso! Queremos os militares de volta! Político é tudo corrupto! As duas primeiras nem são consideráveis, mas a terceira que eu quero discutir. Sim, existem políticos corruptos. A sensação que temos é que não são poucos. Talvez, até, que formem uma maioria. Agora, eles simplesmente não se autodeclararam eleitos para os cargos que estão. Eles tiveram votos suficientes para receber o diploma e depois tomar posse. Ou seja, o eleitor também tem culpa.
Pesquisas mostram que boa parte dos eleitores esquecem em quem votaram nas eleições proporcionais, aquelas para vereador e deputado. E quem já trabalhou em campanha política percebe a diferença dos pleitos feitos a um candidato para prefeitura ou governo e de um para deputado. Enquanto no primeiro caso geralmente as pessoas querem saber o que será feito para sua população, para sua área, no segundo é o que ele vai fazer "por mim". Ou seja, o interesse é direto e pessoal. É emprego, é dinheiro, é favor.
Essa é uma parte do problema, que sinceramente não termina aí. Ao mesmo tempo que votaram e escolheram mal seus representantes, não temos o hábito ainda de cobrar de nossos representantes posturas éticas, ilibidas, condizentes com o cargo que assumem. Enquanto o sentimento de corpo cresceu muito - os pisos nacionais dos professores e dos policiais são dois exemplos -, é bem lento o movimento contra a corrupção. Nós não temos que temer os governantes; eles é que têm que temer a gente.
Agora, não se pode colocar a culpa exclusivamente nos eleitores. A culpa é compartilhada com os financiadores de campanha, que em boa parte das vezes escolhem o destino do dinheiro de acordo com seus interesses empresariais. É compartilhada com uma Justiça lenta, que leva décadas para julgar políticos dos seus mal feitos. É compartilhada com um Ministério Público que arquiva denúncias com quase nenhuma investigação. E também por um sentimento dos próprios políticos de que o mandato pertece a eles, e não à sociedade que os elegeu.
Resumindo, existem muitas nuances que acabam resultando na absolvição de ontem. Temos culpa sim. Ela faz parte de um contexto mais amplo do que podemos imaginar. Repito a frase: os políticos precisam temer a população, os eleitores. Quanto mais cobrança e fiscalização da nossa parte, melhor. O nosso voto pode levar um ao Congresso. Mas, a partir do momento que ele chega lá, faz parte de um conjunto. E é esse conjunto que precisamos acompanhar, pressionar, fiscalizar, protestar. A mudança tem que acontecer através da gente.
Atualização: tive que dar uma atualizada no post após ler outras coisas. Tipo uma moça reclamando, após apresentar uma série de problemas, que não existem lideranças no combate à corrupção. E, por isso, não se envolvia... Sério que ela acredita no que disse? Gente que vive reclamando do Tiririca e nunca fala do Maluf ou do
Natan Donadon. Gente que propõe criação de hash tags no Twitter como forma de protesto. Cara, que preguiça...
Crédito da foto: Diógenis Santos/Agência Câmara