Para meu espanto, meu editor veio esses dias e pediu para eu escrever um artigo sobre o que aconteceu na música em 2008. Achei estranho, afinal trabalho em um site especializado em política. Mas, como o chefão havia pedido para que fizessemos matérias mais diferentes, topei o desafio e mandei pra frente. A idéia era provar o ponto de que 2008 foi um ano muito bom para o rock no Brasil. Acho que consegui.
O ano em que os três tempos se encontraram
Mário Coelho
Passado, presente e futuro se encontraram em 2008. E não precisa desafiar as leis da física para lembrar quem se destacou na música no ano que terminou dias atrás. Do infalível Bob Dylan à menina prodígio Mallu Magalhães, teve de tudo no Brasil. Talvez, quem sabe, nunca na história deste país (soa familiar?) houve tanta oferta de música boa, seja em shows internacionais ou lançamentos brasucas.
Ah, para ser honesto com todos, antes de me alongar, digo que escrevo sobre o bom e velho rock’n’roll, aquele que já teve a morte decretada tantas vezes. Mesmo que Neil Young não canse de cantar por aí que o rock não pode morrer nunca, todo ano é a mesma coisa. Uns pintam a novidade da última semana escrita pelas revistas gringas como a salvação do estilo. E outros teimam em dizer que o senhor cinqüentenário já era.
Nesse espírito, basta lembrar de algumas coisas que aconteceram em 2008 por aqui. O ano passado teve, senão a melhor, uma das melhores seleções de shows internacionais da história. Teve para todos os gostos: Bob Dylan (confira) em uma turnê com ingressos de até R$ 900, o Queen repaginado com Paul Rogers (veja) nos vocais, os veteranos do Iron Maiden lotando estádios pelo país e as novas bandas em evidência no cenário internacional.
Apesar do preço salgado na maioria desses eventos, público não faltou. Seria a confirmação de que o Brasil realmente está ficando melhor? Não vou responder isso, deixo para os cientistas políticos e economistas. Mas uma coisa é certa: a galera que curte rock e suas vertentes não pode reclamar da oferta do ano que se foi.
Peguemos dois exemplos. O primeiro é o já citado Bob Dylan. Não foi a primeira vez que ele veio ao Brasil. Na verdade, já tinha passado por aqui outras duas vezes. Mas quem se importa, não é verdade? Em março, shows lotados por onde ele passou e um público que refletia a influência e relevância de Dylan. Do respeitado senador Eduardo Suplicy (PT-SP) à mais nova revelação da música brasileira, a adolescente Mallu Magalhães, 16 anos.
Do outro lado, veio o Planeta Terra. A segunda edição do festival, em novembro, conseguiu unir o novo, o não tão novo e os mais velhos. Dos ingleses do Jesus and Mary Chain (confira), que começaram a carreira no fim dos anos 1980, aos também ingleses adeptos do rock matemático do Foals, passando por Breeders, Bloc Party e Kaiser Chiefs, teve de tudo um pouco.
Mais exemplos de que o ano realmente foi fértil em matéria de shows? Tivemos Duran Duran e Queen, direto do túnel do tempo, as novidades do TIM Festival (o rapper Kanye West e o punk cigano do Gogol Bordello foram os destaques), o rock inspirado em Joy Division e Echo & The Bunnymen dos nova-iorquinos do Interpol, além dos emos do My Chemical Romance, que arrancaram gritos dos adolescentes Brasil afora.
Não dá para esquecer também a cinqüentona Madonna, que causou frisson ao fazer três shows em São Paulo e dois no Rio de Janeiro em dezembro. Os jornais e as emissoras de TV não cansaram de mostrar os fãs acampados por dias na porta dos locais onde a cantora norte-americana se apresentaria. Isso para conseguir o melhor lugar para assistir ao espetáculo que Madonna mostrou na lucrativa turnê Sticky and sweet.
Outro destaque foram os norte-americanos do REM, que impressionou os fãs em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Na capital paulista, o vocalista e líder da banda, Michael Stipe, foi visto entrando na Funhouse, uma das melhores casas rock da cidade. Muitos que estavam na fila se arrependeram de não terem levado suas câmeras fotográficas ou um celular mais moderno.
Festivais
Boa parte das grandes – ou pequenas – atrações internacionais que vieram ao Brasil passaram por festivais. Dos que integraram as escalações dos já citados TIM e Planeta Terra, ao Muse, que fechou o Porão do Rock em Brasília, e Metric e Go! Team, no Motomix, opções não faltaram.
Aí é possível ver como os produtores cresceram em profissionalismo pelo país. Tiremos aqueles patrocinados pelas grandes marcas. Tivemos, de acordo com levantamento inicial da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), 870 bandas diferentes se apresentando nos 32 festivais associados à entidade.
E sabe o que é mais legal? É que eles estão espalhados pelo Brasil, sem se concentrar no eixo Rio-São Paulo. Do mencionado Porão do Rock na capital dos brasileiros ao celebrado Goiânia Noise, em Goiás, passando pelo Calango, em Cuiabá (MT), e pelo Mada, em Natal (RN), músicos locais puderam trocar experiências com bandas de outros países e mostrar seus trabalhos.
Outro destaque foi o El Mapa de Todos, também em Brasília. O festival teve sua primeira edição em 2005 como Senhor Festival e mudou seu nome e proposta em 2008. Integração entre os países latinos é a palavra chave do El Mapa, realizado com a chancela de Fernando Rosa, o Senhor F em parceria com o Espaço Brasil Telecom. Melhor para o público.
Voz e violão
A cena brasileira teve seu destaque com os parentes do rock. O destaque veio com uma menina de 16 anos, que tomou de assalto a mídia e polarizou a discussão sobre a música no país. Mallu Magalhães colocou suas músicas no My Space, participou de programas na poderosa TV Globo e fez por ela mesma todo o frisson ao lançar seu primeiro disco, homônimo, com a produção de Mario Caldato Jr. (que já produziu Beastie Boys, Planet Hemp e Bebel Gilberto, entre outros).
Mallu tem influências improváveis para uma menina de 16 anos. É fã declarada de Bob Dylan e Johnny Cash. E isso se reflete na sua música, um folk rock que remete a cantoras como Cat Power e Feist – mais à primeira do que à segunda. Além de chamar atenção com suas canções, a garota atraiu as revistas de fofoca ao começar um namoro com o ex-Los Hermanos e hoje em carreira solo Marcelo Camelo, 14 anos mais velho. Ouça Mallu e Camelo cantando juntos (confira).
Camelo, por sinal, cada vez mais investe na imagem de Chico Buarque do século 21. Seu disco solo, “Nós” – ou Sòu, dependendo de como você ler – ganhou os fãs do Los Hermanos e mais outros por aí. Assim como o Little Joy, investida do ex-Hermano Rodrigo Amarante com o mezzo brasileiro mezzo norte-americano Fabrizio Moretti, baterista do The Strokes.
Além disso, a música brasileira viu a consolidação dos matogrossenses do Vanguart e do Macaco Bong, o surgimento do Holger e o multiinstrumentista Curumin estreitando a ponte entre São Paulo-São Francisco-Tóquio com o fantástico disco Japan pop show, uma salada com samba, soul e dub.
Se 2009 seguir o ritmo, ficaremos muito mal acostumados. E o pior – não seria melhor? – é que, mesmo com a crise financeira mundial, parece que o ano que mal começou seguirá na mesma toada. Que venham Radiohead, Kraftwerk e outras tantas coisas boas!
*Mário Coelho, 29 anos, é repórter do Congresso em Foco desde setembro e DJ nas horas vagas. E não consegue viver sem jornalismo e sem música.
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