segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Brincando mais uma vez de Nick Hornby

Ao responder a um desafio no Plurk - boa parte da minha ausência aqui no blog é por causa dele -, comecei a matutar e demorei para encontrar resposta. A pergunta era singela: diga uma música linda. Só isso. O problema é que o parâmetro é grande, amplo demais. Você pode considerar uma música bonita porque a melodia te faz sonhar, ou porque a letra tem uma poesia fora do comum, ou porque fala de amor e por aí vai... Depois de dar uma boa matutada nisso, coloquei lá duas músicas. E como em São Paulo eu peguei a edição gringa de Alta fidelidade do Dilson para ler, decidi fazer um top 5 aqui. Assim como os maiores foras que Rob Flemming levou, eu vou fazer esse em ordem cronológica.

1- Johnny Cash - I walk the line
Single (1956)
Johnny Cash era, acima de tudo, um malaco. O homem de preto escrevia sobre cadeia, sobre brigas e sobre assuntos mais soturnos. Mas também sabia, como poucos na época, compor músicas que tocassem as pessoas pela simplicidade da melodia e pela letra direta, apaixonada e sem rodeios. Ouvir I walk the line é deixar entrar no sistema uma canção onde ele diz que, por causa da amada, consegue ser uma pessoa melhor. Mesmo que, quando o dia acabe, ele fique sozinho, mas a lembrança da amada o faz voltar para a linha. Não consigo imaginar um melhor elogio do que ouvir que, por causa de mim, você quer ser uma pessoa melhor. Aí eu lembro daquele diálogo entre Jack Nicholson e Helen Hunt em Melhor impossível. Ela pede um elogio e ele responde: "Você me faz querer ser um homem melhor". Uau.
Por que é linda? Porque ela me faz querer ter alguém para ser uma pessoa melhor.

2- Rolling Stones - Far away eyes
Disco: "Some girls" (1978)
Sim, eu sou fã dos Stones. Sinceramente, não sei como tem gente que curte rock e renega a banda. Talvez seja o efeito da vitalidade e dos péssimos discos lançados desde a década de 1980. Eu, por muito tempo, delimitei uma faixa temporal, que começava em 1966 ("Aftermath") e terminava em 1974 ("It's only rock'n'roll"). Isso durou até uns meses atrás, quando eu finalmente assisti Shine a light, o celebrado - e superestimado - documentário da banda assinado por Martin Scorsese. Lá no meio, Keith Richards deixa a guitarra de lado e assume o vocal. Começa então um country arrastado, bem lento, com steel guitar e tudo mais. Arrepios. Aí eu fui atrás de "Some girls" e estiquei a faixa até 1978, muito por causa dessa música. Jagger canta como se estivesse no Tennessee, forçando o sotaque red neck e a entonação. Tudo que ele quer é uma garota com olhos distantes, que vai consertar sua vida quando a maré de azar chegar e a sua vida não valer um centavo. A vida é uma merda, mas uma mulher assim pode melhorar tudo. E não é verdade?
Por que é linda? Porque dá esperança; afinal, é preciso achar uma garota que te coloque para cima. E a música remete a um dia feliz, dançando juntinho com a menina em um bar os velhos refrões que um velho ensinou.

3- Neil Young - Harvest moon
Disco: "Harvest moon" (1992)
São tantas lembranças que fica impossível não colocar Harvest moon nessa lista. Esse foi o primeiro disco do Neil Young que eu comprei, e até hoje o considero o melhor da minha (pequena) discografia do cara. Ele tem a manha de fazer álbuns de rock sujos, com uma pitada de country, e, de repente, lançar composições compostas em violão, em um clima acústico e sobre temas rurais, perfeito para ouvir com aquela garota ao lado. Obviamente o ponto alto é a música no meio das faixas 3 e 5. A levada de vassoura na bateria dita o ritmo, enquanto a guitarra dedilha as notas mais altas. E a letra não deixa barato. Realmente dá vontade de fazer o que ele diz. Pegar a amada, andar de mãos dadas e dançar um pouco somente com a luz da lua. Sentir a noite como se não houvesse mais nada além disso. Ah, e o maior prazer de todos é vê-la dançar.
Por que é linda? "I want to see you dance again / because I'm still in love with you / on this harvest moon", canta Young. Isso não é só amor; é admiração e idolatria também, na medida certa. Precisa mais?

4- Los Hermanos - Sentimental
Disco: "Bloco do eu sozinho" (2000)
Sempre que ouço esse disco, lembro do que o Upiara escreveu em uma edição do finado e-zine Cabron, que enviávamos por e-mail para umas centenas de pessoas uma ou outra vez por mês há uns seis ou sete anos. "Como sofre de amor esse tal de Los Hermanos!", sustentou Upiara no fim da resenha do "Bloco do eu sozinho". Não que a banda dos hits Anna Júlia e Primavera não fosse assim antes. Só que no primeiro disco tudo acabava disfarçado pelo estilo hardcore que a banda tentava adotar. Depois mudou, como mostra essa música. Sentimental sobe lentamente. Primeiro entra o piano, seguido da bateria e do dedilhar da guitarra. Vai assim até chegar na estrofe esgoelada, ferida e desesperada gritada por Rodrigo Amarante. Não tem esperança, não tem final feliz, não tem redenção. O amor também pode ser uma merda; basta não ser correspondido para saber como é.
Por que é linda? Porque é o perfeito caso onde letra e melodia se encontram. Ambas são melancólicas ao extremo - dá vontade de chorar ouvindo a agonia do Amarante -, mas conseguem escapar do pieguismo e de qualquer excesso.

5- Radiohead - House of cards
Disco: "In rainbows" (2007)
Rob Flemming perguntava se as pessoas eram miseráveis porque ouviam música pop ou se era o contrário. Aqui é mais um caso de uma música que trata de um amor não correspondido, de desilução. Mas o freak Thom York tem um jeito especial de transformar a saga de um cara apaixonado por uma mulher casada num libelo a favor da felicidade a partir de decisões extremas. O rapaz já chega dizendo que não quer amizade, quer um relacionamento amoroso. Não negue, beije seu marido e vá embora depois de jogar as chaves do pote. É como se York dissesse para as pessoas terem coragem de assumir o amor, mesmo que isso seja muito duro de fazer. Ela está no outro lado de Sentimental. Enquanto o Amarante se lamentava por ela não corresponder, aqui o Radiohead coloca o pé na porta e grita "denial, denial".
Por que é linda? Porque resgata a atmosfera perdida com o lançamento de "Kid A". E porque, desta vez, York foi direto ao ponto, sem precisar de árvores de plástico ou de lutar contra o carma da polícia.

4 comentários:

Guilherme Zé Gotinha disse...

Boa lista, apesar de Rolling Stones. Se me perguntassem qual a música mais linda de todos os tempos, teria a resposta na ponta da língua. Kathy´s Song, de Simon and Garfunkel.

Mário Coelho disse...

Caramba, a partir de agora, atualizações diárias! Momento histórico esse: primeiro comentário do Zé Gotinha nesse espaço!

Guilherme Zé Gotinha disse...

Hehoeheoe.
Masculino.

Ana Clara disse...

Caracas, eu tinha pensado no radiohead depois do desafio lançado! Esqueci de comentar depois :P